Publicado: Domingo, 04 Maio 2014 17:51
Autor: Mariana Niederauer
Fonte: Correio Braziliense
Empresas precisam de profissionais com habilidades diferentes daquelas aprendidas pela geração anterior. As escolas têm de discutir mudanças no currículo para garantir que a mão de obra chegue preparada ao mercado
O mundo mudou, mas as escolas continuam as mesmas. Os trabalhadores que elas ajudam a formar, portanto, saem despreparados para atender as exigências do mercado. Os movimentos repetitivos característicos do modelo fordista de produção deram lugar a ocupações que necessitam de funcionários capazes de ir além das tarefas cotidianas e tragam inovação para as empresas. Entre as competências buscadas, estão as capacidades de trabalhar em equipe e de lidar com a tecnologia, e até mesmo habilidades básicas de leitura, escrita e raciocínio lógico
Países em todos os continentes estão em busca de um caminho para garantir o desenvolvimento dessas habilidades desde a primeira infância, durante a educação básica e ao longo da vida profissional. Na última semana, Brasília sediou um seminário que discutiu o tema. O Pisa e Piaac: melhores competências, melhores empregos apresentou resultados de dois estudos internacionais promovidos pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (ODCE) para mostrar o desempenho em educação de algumas das nações que participam da organização e como ele tem impacto nas competências dos trabalhadores (veja o gráfico).
Um dos documentos que serviu de base para o evento deixou claro que, sem o investimento adequado em competências, as pessoas permanecem às margens da sociedade, e o progresso tecnológico não se traduz em crescimento econômico.
Dessa forma, os países não têm condições de competir no mercado global. A saída apontada é a restruturação dos currículos escolares, de maneira a contextualizar melhor o conteúdo ensinado e adaptá-lo ao que os estudantes realmente vão precisar saber para entrar no mercado de trabalho.
Apesar de o Brasil não ter participado da Pesquisa de Competências de Adultos (Piaac, na sigla em inglês), o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, José Francisco Soares, acredita que o fato de o evento ter ocorrido em Brasília ajudou a acender o debate aqui e em toda a América Latina — dos 24 países avaliados no estudo, nenhum representa o continente. “O estudo mostra a experiência de alguns países que estão na liderança e que recebem uma geração menos preparada para o mercado de trabalho”, disse, no fim do evento. Soares explicou que, se o governo optar por participar das próximas edições da pesquisa, será necessário um esforço conjunto e que, além do Inep, órgãos como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) devem participar da coleta de dados.
Engajamento
Para Lígia Pereira, vice-presidente de Relações com Organizações Privadas da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Distrito Federal (ABRH-DF), o que as organizações precisam hoje é de pessoas capazes de resolver problemas. Além disso, eles precisam ser trabalhadores globais, que olhem as coisas de forma mais ampla, entendam a tecnologia e dominem outros idiomas — requisito necessário em razão das constantes internacionalizações e aquisições de empresas. “O mundo mudou, e nós temos que acompanhar essas mudanças. Alguns países estão em níveis muito mais avançados do que nós. Eles se planejaram melhor, conseguiram ver esse problema com antecipação e estão mais preparados para enfrentá-lo. Nós esperamos pelo crescimento do país, mas nunca nos preparamos para ele, e, agora, estamos correndo atrás.”
A dificuldade em encontrar esse tipo de profissional faz com que muitas empresas invistam, cada vez mais, em capacitação. “Mas as pessoas ainda se prendem muito ao descritivo do cargo, o que limita não somente a empresa, mas também a carreira do profissional, o que é mais preocupante. Elas não entendem a relação com a empresa como uma parceria: à medida que eu contribuo, eu tenho crescimento”, explica. Do lado das empresas, a especialista acredita que falta ainda mais empenho na qualificação dos funcionários, principalmente em Brasília.
Foi durante a participação no programa de trainee da empresa em que trabalha que Gerson Menandro Júnior, 32 anos, adquiriu uma das principais competências da carreira: a proatividade. A liberdade para fazer as tarefas, o estímulo a assumir riscos e o exemplo dos líderes com que trabalhou foram fatores determinantes para o crescimento na organização, segundo ele. “Tem líderes nos quais eu me espelho até hoje”, conta.
Atualmente, ele é gerente comercial na fabricante de bebidas Ambev e busca nos funcionários que contrata e que lidera as mesmas habilidades que desenvolveu ao longo da trajetória profissional, como liderança, capacidade de negociação, trabalho em equipe, flexibilidade e capacidade de solucionar problemas.
Educação básica
O diretor Educacional do Instituto Presbiteriano Mackenzie, Solano Portela, afirma que a educação básica no Brasil tem dado pouca ênfase às habilidades básicas — matemática, português e uma visão global das ciências. “Sem esse alicerce, o desempenho funcional será deficiente, independentemente da área de atuação ou de quão nova for a profissão a ser exercida”, atesta. Por outro lado, ele acredita que as escolas têm respondido adequadamente à formação de cidadãos conscientes, envolvendo os alunos em projetos que entrelaçam as diversas áreas do saber.
A principal crítica do especialista é com relação às diretrizes governamentais. Na opinião dele, o currículo obrigatório da educação básica está cada vez mais saturado, o que tem sacrificado o ensino das competências básicas e afetado o desempenho do país em avaliações como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês). “Para suprir o mercado de trabalho, devemos conservar um olho no futuro, mas voltar às bases do aprendizado.”
Durante apresentação no seminário, o diretor adjunto de Educação da OCDE, Andreas Schleicher, reuniu dados do Pisa que mostram que o investimento em educação no Brasil tem crescido significativamente nos últimos anos e que, por enquanto, isso tem sido suficiente para garantir melhorias ao ensino do país.
No entanto, ele lembrou que, em alguns anos, só o dinheiro não será mais suficiente e será preciso pensar em outra solução. Um dos passos mais importantes, segundo Andreas, não só para o Brasil como para todos os países, é ter coerência entre políticas públicas e práticas de ensino e garantir que o se faz hoje se ajustará às demandas do futuro.
Mariano Jabanero, diretor de Educação da Fundação Santillana, uma das organizadoras do seminário, defende que a escola supere o modelo clássico de ensino e mude o currículo. “O maior esforço que temos de fazer agora é passar de um modelo de memorização para um modelo de saber fazer”, diz. Isso significa dar sentido ao conhecimento transmitido na escola e essa, segundo ele, é uma agenda mundial.
O que as empresas buscam
Confira quais são as habilidades cognitivas e não cognitivas mais valorizadas no mercado de trabalho
Leitura e raciocínio lógico
Essas são as duas habilidades cognitivas que vão contribuir para todo o conhecimento posterior. Quem não as tem encontrará dificuldades para conseguir emprego. O trabalhador precisa saber ler e interpretar textos e ter habilidade de resolver problemas, desenvolvida por meio do raciocínio lógico.
Proatividade
As empresas valorizam profissionais que mostram engajamento e ultrapassam as funções definidas pelo cargo. Quando veem uma oportunidade, essas pessoas correm atrás e a apresentam ao empregador, mesmo que não esteja dentro da obrigação delas.
Trabalho em equipe
Há uma necessidade de pessoas que mantenham relacionamentos reais, e não somente virtuais, com os colegas e com grupo o trabalho. Esses profissionais têm de ser tolerantes e amáveis. O mercado quer extroversão com respeito, e não introversão com individualismo desagregador.
Condutas, atitudes e valores
À medida que as exigências do mercado aumentam, se torna mais importante desenvolver característica de caráter, tanto aquelas ligadas ao desempenho, como adaptabilidade, persistência e resiliência, quanto as ligadas à moral — integridade, justiça e ética.
Competências do século 21
São habilidades de alto nível, essenciais para absorver conhecimentos e para o desempenho no trabalho. Podem ser resumidas em quatro “C”: criatividade, comunicação, colaboração e crítica (pensamento crítico).
Visão sistêmica
Está cada vez mais comum o uso do termo trabalhador global, pessoas que estejam sempre atentas a mudanças no mercado e na sociedade e que se envolvem em todas essas esferas. É importante ainda desenvolver a visão sistêmica dentro da empresa e saber se relacionar com as diversas áreas do negócio.
Tecnologia e idiomas
É necessário ter um domínio produtivo da tecnologia e manuseio natural dos recursos de conectividade. Além disso, é preciso dominar outros idiomas e conhecer culturas estrangeiras. Antes, essas características eram diferenciais no currículo. Hoje, são uma obrigação.
Fontes: Solano Portela, Lígia Pereira, Mariano Jabonero e estudo Melhores competências, melhores empregos, melhores condições de vida.